No discurso proferido na cerimónia das comemorações dos 96 anos da proclamação da República o Doutor Aníbal Cavaco Silva, Presidente da República de todos os Portugueses, afirmou ser tempo de nos preocuparmos com a qualidade da nossa democracia exortando-nos, em nome de uma maior qualidade dessa democracia, a aprofundar a dimensão ética da cultura republicana e a sublinhar a necessidade de transparência nas instituições e de moralização da vida pública.
De facto, o chamado “realismo político” que impõe a obtenção de resultados a qualquer preço, tende a fazer subtrair os actos políticos a qualquer avaliação moral. Todavia, os democratas e, particularmente, os que se orgulham da herança cultural republicana, não se podem conformar com a ideia de uma política que deixe de ser pensada a partir da ética e nunca se acomodarão, quaisquer que sejam as consequências dos seus actos, a um modelo político em que os fins justifiquem os meios.
Existe um princípio ético fundamental para o desempenho de cargos públicos, que é o de ninguém poder ser juiz em causa própria, de ninguém poder simultaneamente desempenhar uma função e fiscalizar os actos que pratica no desempenho dessa função. Este princípio significa, ao nível autárquico, entre outras coisas, que nenhum membro da Assembleia Municipal (órgão fiscalizador por excelência) pode ser nomeado para funções em cargos municipais ou de empresas maioritariamente detidas pela autarquia cujo acompanhamento e fiscalização por natureza lhe compete.
No entanto, nem todos cultivam a ética da cultura republicana e, por isso, a legislação tem de fazer um esforço para impedir que aqueles que apenas consideram ético o que está salvaguardado na lei, fujam ao cumprimento desse princípio basilar. Mas vejamos o que se passa entre nós.
Nos termos da alínea i) do nº 1 e do nº 8 do artigo 64º da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro (Lei das Autarquias) na redacção dada pela Lei nº 5-A/2002, de 11 de Janeiro, a Câmara Municipal só poderá nomear, entre outros, para o conselho de administração de empresas municipais cidadãos “desde que não integrem a respectiva assembleia municipal”.
Ora, em Aveiro, o Sr. Presidente da Câmara, Dr. Élio Maia, nomeou como administradores de duas empresas municipais - EMA e PDA -, os Sr.s Dr.s João Pedro Dias e Gilberto Ferreira, sem previamente ter exigido, como seria curial e a lei prescreve, que renunciassem ao seu lugar de deputados municipais. Os referidos administradores, tendo apenas solicitado a suspensão do seu mandato, mantiveram o lugar de deputados e, apesar dos vários alertas à navegação lançados e só depois do assunto ter sido retomado na Lei do Regime Jurídico do Sector Empresarial Local, Lei nº 53-F/2006, de 29 de Dezembro, que no nº 2 do art. 47º taxativamente estabelece que “é proibido o exercício simultâneo de mandato em assembleia municipal e de funções executivas nas empresas municipais, intermunicipais e metropolitanas detidas ou participadas pelo município no qual foi eleito”, o Sr. Dr. Gilberto Ferreira solicitou a tardia renúncia ao seu mandato, aguardando-se igual posição por parte do Sr. Dr. João Pedro Dias.
Não pretendemos dizer que o Sr. Dr. Élio Maia, ao não impor o cumprimento da legislação em vigor, agiu de má-fé. Lamentamos, apenas, que a questão não tenha despertado os princípios éticos fundamentais que deveriam nortear a sua actuação enquanto cidadão e, especialmente, enquanto Presidente da Câmara de Aveiro. A posição que assumiu apenas se deveu, no nosso entendimento, ao desconhecimento da legislação em vigor e à ignorância das consequências da sua posição, o que vem reforçar a crescente constatação da sua impreparação para o exercício de um cargo para o qual nunca julgou vir a ser eleito.
No caso do Sr. Diogo Machado, o caso muda de figura. É que não estamos perante dois ignotos deputados como o Sr. Dr. Gilberto Ferreira ou o Sr. Dr. João Pedro Dias que apenas valem o seu voto. O Sr. Diogo Machado tem sido o líder de bancada do CDS/PP e as suas posições são respeitadas e seguidas pelo seu grupo parlamentar. O Sr. Diogo Machado é o único deputado do CDS/PP, na minha opinião e também no avisado entender de muitos membros desta Assembleia, com capacidade para, no dealbar do conhecimento que o agora regressado deputado do PSD, Sr. Manuel Prior, teria solicitado os bons ofícios da oposição para atacar e fragilizar um Vereador do CDS/PP, impedir que alguns membros da sua bancada, indignados com o facto, votassem desfavoravelmente algumas das propostas apresentadas pelo executivo, no qual os seu vereadores vêem a ser publicamente achincalhados e com cujas posições frequentemente discordam. O Sr. Diogo Machado tem utilizado todo o seu empenhamento, carisma e verbe, para conseguir, como conseguiu, e daqui o parabenizo por tal facto, impedir a fragmentação da sua bancada que, com o seu voto unânime, tem contribuído para a aprovação de todas as propostas aqui apresentadas pelo executivo camarário, algumas das quais bem difíceis de serem “engolidas” pelos seus pares.
Ora, o Sr. Diogo Machado é funcionário da "Aveiro Expo - Parque de Exposições, EM", aí exercendo uma função remunerada. Como é público e notório (e o próprio nunca escondeu), posteriormente à sua eleição e subsequente tomada de posse nesta Assembleia Municipal, celebrou um contrato individual de trabalho (não interessa agora se através ou não de concurso público), para exercer o cargo de Director de Projectos e Marketing na referida empresa, cabendo-lhe, nomeadamente, as funções de direcção do respectivo serviço bem como tarefas de coordenação de Projectos de Marketing, Prospecção de Mercados, Direcção Comercial, Gestão de Recursos Humanos, análise de Projectos de Investimento, assessoria e preparação técnica das reuniões do Conselho de Administração, coordenação e gestão de eventos e supervisão económica e financeira.
Desta forma, colocou-se na situação de inelegibilidade prevista na alínea d) do nº 1 do art 7º da Lei Orgânica 1/2001, de 14 de Agosto (Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais), que legislando sobre as inelegibilidades especiais estatui que não são elegíveis para os órgãos das autarquias locais dos círculos eleitorais onde exercem funções ou jurisdição: … "os funcionários dos órgãos ou dos entes por estes constituídos ou em que detenham posição maioritária que exerçam funções de direcção, salvo no caso de suspensão obrigatória de funções desde a data de entrega da lista de candidatura em que se integrem"… e, como tal, na situação de perda de mandato prevista na alínea b) do nº 1 do art. 8º da Lei 27/96, de 1 de Agosto (Lei da Tutela Administrativa), que dispõe que incorrem em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos ou das entidades equiparadas que: … "Após a eleição sejam colocados em situação que os torne inelegíveis"… , situação aliás prevista na alínea b) do art. 56º do Regimento da Assembleia Municipal de Aveiro, para o mandato 2005/2007.
Parece assim claro, que o Sr. Diogo Machado incorreu em perda de mandato quando passou a exercer as suas funções na "Aveiro Expo - Parque de Exposições, EM" e que, desde essa data, tem participado ilegitimamente e exercido a sua influente acção nas reuniões da Assembleia Municipal. Situação que me verei obrigado, bem contra a minha vontade, a participar ao Ministério Público.
Essa sua participação nas reuniões da AM, tem tido o beneplácito da Sra. Presidente da Mesa da Assembleia, Sra. Dra. Regina Bastos, a quem, nos termos do prescrito no nº 2 do art. 14º do Código do Procedimento Administrativo e alínea e) do nº 1 do art. 54º da Lei das Autarquias, transcrito no art. 6º do Regimento da Assembleia Municipal de Aveiro para o mandato 2005/2009 competiria, dada a sua qualidade de Presidente da Assembleia, "assegurar o cumprimento das leis e a regularidade das deliberações".
A Sra. Dra. Regina Bastos conhecia a situação laboral, nunca escondida, do Sr. Diogo Machado, aliás, como todas as pessoas que se interessam pela política Aveirense e, particularmente, os membros desta Assembleia Municipal. A Sra. Dra. Regina Bastos não pode afirmar que não tomou conhecimento da contratação do Sr. Diogo Machado, para o cargo de direcção da Aveiro Expo, depois do que nesta Assembleia foi dito. Toda a imprensa falou nisso, o site institucional da empresa indica-o como Director de Marketing e Projectos e, até o insuspeito Povo Livre, jornal que certamente a Sra. Presidente lerá, traz num dos seus últimos números uma notícia com o Sr. Presidente da Câmara, o Sr. Presidente do Conselho de Administração da Empresa e o Sr. Diogo Machado que, na sua qualidade de director da empresa e a propósito de uma feira realizada, teceu algumas considerações.
Conhecendo a situação, só por ignorância ou por má fé, se pode compreender o seu silêncio perante esta situação de incumprimento da legislação em vigor e o seu alheamento perante a irregularidade da constituição desta Assembleia. E, se de ignorância da lei se trata, estamos perante uma notória incúria no exercício do seu cargo de presidente da assembleia, cujas competências foram negligenciadas e, pelo facto de ser jurista e ter especiais responsabilidades na matéria, se pode considerar uma negligência agravada. E, mesmo não querendo pensar em má fé, mesmo não querendo pensar que existia conhecimento da legislação em vigor, mas que, por motivos políticos, interessava manter o Sr. Diogo Machado na Assembleia, porque tal era fundamental para garantir a coesão da bancada do CDS/PP nas votações, pensamos que a Sra. Presidente nos deve uma explicação e um pedido de desculpas e, que deverá demitir-se.
Sra. Presidente.
Com a sua actuação colocou em risco todo o trabalho autárquico deste executivo e, quiçá, de executivos futuros. Imagine-se que alguém solicita a nulidade das deliberações em que o Sr. Diogo Machado foi determinante e que essa nulidade é concedida. Alguém faz ideia do total cataclismo que isso traria para o nosso Município, que ficaria sem orçamento, sem a possibilidade de cobrar impostos para 2007, etc., etc., etc.
Sra. Presidente.
Um dos princípios fundamentais da ética política é o da responsabilidade, princípio cuja dimensão essencial é a assumpção dos erros directos e dos erros daqueles em quem delegamos competências e de, por livre iniciativa, tomarmos as decisões que se impõem, mesmo quando estas decisões nos são desfavoráveis.
Está na altura de provar se comunga, ou não, deste princípio ético.