Minhas Senhoras e Meus Senhores;
A História de Aveiro confunde-se com a história da Democracia e da Liberdade em Portugal.
Foi em Aveiro que eclodiu a revolta liberal de 16 de Maio de 1828, à cabeça da qual esteve Joaquim José de Queirós, avô do nosso Eça, aqui nascido nas Quintãs e que partilhava os seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade com outros intelectuais com quem trabalhava na Loja dos Santos Mártires no Alboi. Foi na sua casa de Verdemilho, (casa que, à mingua do interesse dos nossos autarcas, se vai cada vez mais degradando) que, com outros revolucionários, haveria de traçar o plano da malograda revolta liberal que pretendia derrubar o regime absoluto de D. Miguel.
Foi em Aveiro que o Conselheiro Queirós levantou os primeiros "vivas à Carta" e a D. Pedro IV.
Foi de Aveiro que, à cabeça dos revoltosos, marchou para o Porto, onde se juntou a outros heróicos combatentes da liberdade como José Estêvão, Garrett e Herculano, e veria fracassar o intento de fazer cessar o consulado absolutista do filho dilecto da "Megera de Queluz", D. Carlota Joaquina Teresa Caetana de Bourbon e Bourbon. Aveiro onde só haveria de regressar do exílio forçado, um pouco antes de ser assinada a Convenção de Évora-Monte em 1834.
Derrotadas as forças liberais, Aveiro viu instaurar-se um clima de perseguições e medo e os patriotas que não conseguiram escapar sofreram a ira do tribunal Miguelista que, acirrado por sermões de maus clérigos, cometeu as maiores atrocidades e conduziu às forcas da Praça Nova do Porto alguns dos nossos melhores, enquanto os adeptos do absolutismo celebravam por trás da cortinas com vinho do Porto e pão de ló.
Dos doze Mártires da Liberdade quatro eram de Aveiro. Depois de enforcados as suas cabeças foram cortadas e espetadas em altos paus levantados em frente das casas dos seus familiares. Gravito, Manuel Luís Nogueira, Soares de Freitas e Magalhães Serrão, cujos parcos restos repousam no nosso cemitério Central, sofreram essa ignomínia. Mas foram apenas alguns das muitas centenas de vítimas do absolutismo miguelista que não chegaram a assistir à vitória da sua razão.
Foi no Aveirense que, em 1957, se realizou o I Congresso Republicano de Aveiro organizado por Mário Sacramento. Congresso que avivou e alertou a consciência das pessoas para os princípios republicanos que ainda hoje constituem o substrato basilar da nossa modernidade política, social e cultural.
Foi em Aveiro de 15 a 17 de Maio de 1969 que, no embalo do sonho da “Primavera Marcelista”, as palavras liberdade e democracia foram por 3 dias gritadas no 2º Congresso Republicano e, ainda que de forma tímida, foram analisadas as repercussões que a guerra colonial induziu na economia do nosso país.
Foi ali, no Teatro Avenida, que em 4 de Abril de 1973 e na presença de dois membros desta Assembleia que pertenceram à sua Comissão Executiva, (os nossos colegas de bancada Carlos Candal e António Regala) o Dr. Álvaro Seiça Neves (tio direito da Dra. Ana Maria Seiça Neves que aqui se senta ao meu lado) pronunciou as primeiras palavras do 3º Congresso da Oposição Democrática lendo a premonitória mensagem de abertura da sessão enviada do exílio pelo Prof. Rui Luís Gomes (…) "saúdo companheiros consciente da importância deste Congresso para objectivos centrais nossa luta liberdades democráticas povo português, independência povos coloniais".
Esta História dos Mártires da Liberdade, dos Congressos Republicanos e da Oposição Democrática e da própria forma de ser irreverente dos habitantes de Aveiro, tem prestigiado a nossa terra como Terra de Liberdade, o que aliás lhe foi reconhecido com a atribuição, em 1998, por Jorge Sampaio, da qualidade de membro honorário da Ordem da Liberdade.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Infelizmente hoje é, com profundo pesar, que os Aveirenses assistem à completa perversão desses princípios. E é com mágoa que tenho de chamar a devida atenção para a gravosidade da violação permanente dos princípio democráticos pelos quais muitos conterrâneos nossos, o meu Partido, o PS, e eu próprio, sempre lutámos, nesta que devia ser a verdadeira casa da democracia aveirense. Está na hora de dizer BASTA.
Não pode o Partido Socialista, nem eu próprio, deixar de, a propósito deste ponto da Ordem dos Trabalhos, chamar a atenção, que a expressão “Terra de Liberdade” que Aveiro pretende apor no seu listel, na realidade, não tem vindo a ser dignificada com a presidência da Assembleia exercida pela Dra. Regina Bastos.
Que sentido fará que esta Assembleia delibere pela inclusão da frase “Terra de Liberdade” no listel do Brasão do Município se, nem na sua própria Assembleia Municipal, que deveria ser a casa da palavra, a casa da liberdade, se respeitam os mais elementares valores democráticos.
As constantes infracções, das mais elementares regras da Democracia, a que temos todos vindo a assistir, só nos podem envergonhar perante a nossa História colectiva.
Cada atropelo que aqui se faça, e nestes últimos dois anos já assistimos a vários, é uma mancha negra da História de Aveiro!
São públicas, constantes, e constam dos registos sonoros, as tentativas várias da Sra. Presidente da Assembleia Municipal de impedir que os deputados municipais da oposição exprimam livremente, dentro dos limites da Lei, a sua opinião.
Sublinhe-se ainda que tais violações têm tido, para grande surpresa de todos os aveirenses, o beneplácito, a chancela, o consentimento e a indecorosa concordância dos vogais do PSD e do CDS-PP que suportam o actual executivo.
Contrariar os princípios democráticos e a Lei em prol de um interesse partidário de índole obscura e ser cúmplice da manifesta incapacidade da Sra. Presidente da Assembleia para o cargo que ocupa, é contribuir para a traição da História do Município;
É cometer um crime de lesa-democracia e de lesa-Aveiro.
Esperemos que, após esta passagem efémera da Dra. Regina Bastos pela Presidência da AM de Aveiro, possamos voltar a orgulhar-nos de ser conhecidos como Terra de Liberdade.
Viva Aveiro, Terra de Liberdade!
(Intervenção feita na AM de Aveiro a 2/06/2008)