segunda-feira, setembro 08, 2008

O dromedário descontente


Era uma vez um jovem dromedário que não estava nada contente.Na véspera, dissera ele aos amigos: “Amanhã vou sair com o meu pai e com a minha mãe, vamos ouvir uma conferência, ora vejam!”


Os outros tinham dito: “Olha, olha, ele vai ouvir uma conferência, que maravilha”.

Não pregara olho toda a noite, tal era a sua impaciência.

E agora não estava contente porque a conferência não era nada do que imaginara: não tinha música e era uma decepção, estava aborrecidíssimo e com vontade de chorar. Havia uma hora e três quartos que um senhor gordo falava. Diante do senhor gordo havia um jarro de água e um copo de dentes sem escova.

De tempos a tempos, o senhor deitava água no copo mas nunca lavava os dentes e, visivelmente irritado, falava de outra coisa, isto é, dos dromedários e dos camelos.

O jovem dromedário estava cheio de calor e, além disso, a bossa incomodava-o muito porque roçava nas costas da cadeira. Estava muito mal sentado, mexia-se e remexia-se. Então, a mãe dizia-lhe: “Está quieto, deixa falar o senhor”, e dava-lhe beliscões na bossa. O jovem dromedário tinha cada vez mais vontade de chorar, de se ir embora…

De cinco em cinco minutos o conferencista repetia: “Sobretudo, há que não confundir os dromedários com os camelos. Chamo a vossa atenção, minha senhoras, meus senhores e caros dromedários, para este facto: o camelo tem duas bossas, mas o dromedário só tem uma!”

Todas as pessoas na sala diziam: “Ah, ah, muito interessante”, e os camelos, os dromedários, os homens, as mulheres e as crianças tomavam notas nos seus canhenhos. Depois tornava o conferencista: “O que distingue os dois animais é que o dromedário tem só uma bossa, ao passo que, coisa estranha e que é útil conhecer, o camelo tem duas…”

Por fim, o jovem dromedário fartou-se e, saltando para o estrado, mordeu o conferencista.

“Camelo!”, disse o conferencista furioso.

E toda a gente na sala gritava: “Camelo, porco de camelo, porco de camelo!”

E, no entanto, era um dromedário, e todo limpinho.

Jacques Prévert - Histórias para meninos sem juízo.

6 Comments:

At segunda-feira, setembro 08, 2008 10:57:00 PM, Blogger Marechal Ney said...

Exmo. Senhor, Dr.R.M.:

Um é “bibóssico” e o outro “monobóssico.”
Mas,aos olhos da humanidade não deixam, de ser ambos camelos.
E, os camelos(dromedários ou não), não é uma espécie em extinção é uma espécie em vias de desenvolvimento. Se um, exasperado, limpinho, como disse esse tal Prevert, mordeu conferencista, fê-lo bem.
Andam por aí muitos conferencistas, a ganhar soberbas maquias, vendendo gato por lembre, tal qual vendedores de elixires.


Do

Marèchal Ney

 
At terça-feira, setembro 09, 2008 11:03:00 AM, Anonymous Anônimo said...

É muito fácil distinguir estes bichos. Se tiver só uma bossa é um camelo. Se tiver duas é um camello.
Se não tiver nenhuma é um manga de alpaca.
NB

 
At terça-feira, setembro 09, 2008 2:34:00 PM, Blogger ZÉ FAGOTE said...

História engraçada esta dos dromedários e dos camelos.
Tanto um como outro são animais fantásticos, meigos, dóceis, trabalhadores, e bons armazenadores de água, além do leite que fornecem.
Se calhar é por isso que muitas famílias adoptaram o nome de “Camelo” para se distinguir dos demais, embora saibamos que camelos aqui pelos nossos lados não abundam muitos, mas em Ovar ainda os há.
Em tempos de antanho a “nossa” famosa fábrica da Vista Alegre utilizou-os para carregar o caulino que vinha de barco de Ovar até Ílhavo.
Foi um erro estratégico a construção da fábrica ali, já que, o caulino tão importante para a feitura dos cacos de loiça, por aqui não existia, embora os fundadores pensassem que sim.
Bem, mas isso não interessa para a conversa.
O meu apontamento é apenas de homenagem aos camelos e às famílias que tiveram a coragem de perpetuar o seu nome, como se de um brasão se tratasse, embora os Camelos de agora, não sejam o que já foram; criaturas metidas consigo!
Ainda há bem pouco tempo um, permitiu-se meter na capoeira de um garnizé tentando organizar aquilo à maneira dele, para sobreviver, suponho.
Mas está mal!
Um Camelo é um camelo, e um Garnizé, pode ser um galito pequenito, mas nem por isso deixa de ser galo...
Quem devia mandar no capoeiro era o galo, pequeno ou grande, não interessa!
Mas anda tudo de pernas para o ar. A crise é grande e para se sobreviver até os camelos se enfiam em buracos, que na lógica, não deviam caber!

 
At terça-feira, setembro 09, 2008 8:03:00 PM, Anonymous Anônimo said...

Engraçado fui ver a história da Vista Alegre e é verdade, por muito incrível que pareça.
Os materiais para a feitura da loiça na Vista Alegre eram transportados no início por camelos.
E mais,
O facto da linha do caminho de ferro ter passado por Aveiro foi em muito por causa da fábrica.
O Pinto Basto era pessoa muito influente em Lisboa além de ser amigo e até "Irmão" de gente ilustre da cidade e do concelho, ligados à Maçonaria.

 
At terça-feira, setembro 09, 2008 10:36:00 PM, Anonymous Anônimo said...

O problema está nas bossas, há dromedários que desejam duas e camelas a quem uma bastava...
No meio da confusão, na insatisfação, e do desejo impossivel, até o camelo voa, e o dromedário veste fato!

 
At terça-feira, setembro 09, 2008 11:50:00 PM, Anonymous Anônimo said...

DR.
Conheci um Camilo que era tão camelo que até escrevia camilo com um e.

 

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