sexta-feira, dezembro 02, 2005

DO BAÚ DAS MEMÓRIAS - 2

A DEMOCRACIA E AS ELITES POLÍTICAS

Todo o processo político é posto em marcha e é continuamente alimentado pelo interesse, quer este assuma uma forma material, quer assuma uma pura natureza psicológica. O reconhecimento da existência de interesses comuns motiva o aparecimento de grupos, organizados ou não, que procuram transformar esses interesses em políticas.

A transformação dos interesses em decisões políticas está dependente da força dos apoios que esses interesses conseguirem agregar. A tarefa das estruturas "agregadoras de interesses", entre as quais os partidos políticos, consiste em reunir os interesses individuais dispersos, mobilizar os recursos disponíveis e fazer a sua gestão de modo a obter apoios que lhes permitam influenciar a formulação das decisões políticas que desejam ver implementadas.

A criação de estruturas organizadas e o aparecimento de líderes que protagonizam a luta por um determinado interesse gera, normalmente, complexas teias de relações biunívocas de apoio/protecção que jogam um papel primordial no posicionamento individual dos cidadãos. A negociação entre as organizações, pedra de toque de todo o processo de decisão política, deve ser efectuada de molde a não ser prejudicada a tempestividade da decisão e permitir, ao mesmo tempo, a participação directa dos cidadãos individuais no processo decisório.

A observação atenta da realidade dos nossos dias leva-nos à constatação de uma progressiva formação do elitismo, detentor de uma filosofia própria e distinta da democracia, pois não reflecte as aspirações populares mas sim os seus próprios interesses e valores. Não estando necessariamente em conflito com as massas que lhe servem de suporte, as elites dirigentes afastam-nas das decisões políticas que passam a ser tomadas no seu seio, negociando e selando compromissos em nome das massas.

Assim, contrariamente ao que o sistema democrático faria prever, são elites políticas, perfeitamente organizadas e prosseguindo uma total unidade de objectivos que governam as massas, apáticas e politicamente mal formadas e informadas. O papel de "guardiões da liberdade e garante do sistema democrático" é desta forma transferido das massas para as elites. O "must" da ironia do sistema reside no facto da ameaça aos valores democráticos poder partir da influência das massas sobre as elites e de, em casos de manifesta pressão social, as elites poderem tomar medidas no sentido de tornar a sociedade menos democrática com o fim de preservar a democracia.

O crescente desinteresse pela actividade política a que assistimos, alfobre do aparecimento de elites políticas que cuidam da "nossa" estabilidade é, no nosso entender, derivado da profundamente limitativo entendimento do homem apenas como cidadão que desempenha um papel perfeitamente pré-definido e absolutamente balizado na vida política, que urge alterar. Só esta inversão poderá evitar que a humanidade seja conduzida a um progressivo holocausto político.