domingo, abril 15, 2007

ABC - 2

1- Antes de avançar sobre as razões e objectivos do meu post, gostaria de tecer algumas considerações adicionais sobre as consequências perniciosas que a proliferação orquestrada de insinuações, suspeitas e boatos, sobre os detentores de cargos públicos, pode trazer à qualidade da nossa “governança”. De facto, esta, profundamente censurável actuação, faz com que as pessoas competentes, cada vez mais, se auto-excluam do exercício de cargos públicos, pois sabem que, ao assumirem esses lugares, quando tomarem decisões (de que o País ou a organização onde vão prestar serviço público necessitem), que afrontem interesses instalados, vão estar sujeitos a ver toda a sua vida pessoal escrutinada e exposta na praça pública, através de pervertidos, caluniosos e orquestrados processos de intenções, protagonizados por um qualquer títere sem escrúpulos, mas desejoso de notoriedade, que mais não visam do que minar a sua autoridade, ou a credibilidade das instituições onde exerce a sua actividade e, com isso, condicionar a sua actuação. Num estado de direito não é admissível que tal aconteça. Daí a necessidade de serem criados instrumentos que permitam acabar com este permanente clima de suspeição que impende sobre a nossa “governança” e possibilitem accionar os adequados mecanismos judiciais de investigação, tendo em vista o apuramento de responsabilidades e consequente penalização dos casos que se apurarem culposos.

2- O exercício de funções de serviço público é o mais alto dever de um cidadão. Infelizmente, no nosso país, cada vez que uma pessoa é convidada a dar o seu contributo é imediatamente apelidado, no mínimo de tachista, esquecendo os caluniadores que ainda há quem aceite desempenhar cargos públicos diminuindo os vencimentos ou regalias que auferiam no lugar que anteriormente desempenhavam, (como se sabe defendo a ideia que o vencimento de quem é chamado ao exercício de funções públicas deveria ter como base a sua média de remunerações auferidas no último triénio – devidamente comprovadas ao nível fiscal) e, se a requisição de funcionários públicos não lhes causa, normalmente, mossa de maior na carreira, já o abandono de funções em empresas privadas lhes pode trazer (e normalmente traz), consequências negativas, pois estas organizações não podem (excepto em casos marginais) manter em aberto o lugar desocupado. Para além do desgaste suplementar que o exercício de funções no sector público acarreta. Cada um falará do que conhece mas, da minha experiência do exercício de funções idênticas no sector público e privado na área da gestão, considero que o sector público é, incomensuravelmente, mais desgastante, especialmente se for encarado com espírito de missão que, muitas vezes, é a único razão que nos alenta a prosseguir.

3- Como atrás já disse o post que coloquei referindo-me ao processo de renovação do contrato de António Balbino Caldeira na Escola Superior de Gestão de Santarém, por urgente conveniência de serviço, foi feito com intuitos pedagógicos. Não conheço o referido senhor (nem tenho qualquer interesse em conhecê-lo, valha a verdade) e apenas recentemente visitei o seu blog, alertado por uma notícia que li no Correio da Manhã. Rapidamente verifiquei que se tratava de um indivíduo que assume, como única finalidade da sua ociosa existência, a devassa da vida de cidadãos titulares de cargos públicos (agora é a do nosso primeiro-ministro mas parece que já houve outros visados), procurando encontrar algum pecadilho passado que, nas mentes conturbadas de alguns, mesmo sem cabimento ou serem minimamente confirmados, possam servir de argumentário e serem transformados em sumário “julgamento de carácter”, feito na praça pública. Tudo isto num arrastado processo manhoso e sarnento que, neste País em que Salazar foi transformado no alfa e no ómega dos portugueses, faz o gáudio da sua, bem conotada politicamente, plateia de voyeurs e anónimos caluniadores.

4- Todos nós teremos, decerto (pelo menos eu tenho), coisas no nosso passado de que nos envergonhamos, hoje faríamos de outra forma ou que hoje não praticaríamos. A própria ética, a moral e os bons costumes, como é consabido, evoluem e variam de época para época. Pretender julgar hoje um titular de cargo público pelo que fez há 5, 10 ou 20 anos, pretender fazer um julgamento de um primeiro-ministro não com base na sua actuação política (que, de facto, a bem do nosso futuro colectivo comum, tem afrontado muitos interesses instalados), mas com base em insinuações sobre o seu percurso académico ou uma eventual indevida utilização do título de engenheiro é, no mínimo Kafkiano.

5- Grosso modo parece que José Sócrates é “acusado” de ter utilizado indevidamente o título de engenheiro e de não ser licenciado ou, agora que já ninguém duvida de tal facto, de existirem algumas trapalhadas no seu processo. Bem se vê que o sr. Balbino perde demasiado tempo ao computador e anda afastado do mundo. Se não andasse saberia que, por exemplo, é normal que os regentes agrícolas, diplomados “in illo tempore” numa escola bem perto do local onde presuntivamente trabalha, equiparados (ao que sei) a engenheiros técnicos depois do 25 de Abril, utilizam normalmente o título de engenheiros. Não sabe? Então apareça cá por Aveiro que eu apresento-lhe alguns que até são gente grada na política local, que sempre foram tratados e assinam como tal. E sabe que, por exemplo, na Universidade de Aveiro que todos reconhecem como Universidade de excelência, são ministradas licenciaturas em engenharia que não são reconhecidas pela ordem dos engenheiros? E como é que acha que essas pessoas são tratadas na vida real? Por licenciados em engenharia? E não é verdade que José Sócrates tirou um MBA no ISCTE (parece até que com excelente aproveitamento e notas) e que para essa inscrição ser feita nesse Instituto, que é dos mais prestigiados do País na área, para além de ser verificada a relevância do curriculo do candidato é necessário que este possua o grau de licenciado? E relativamente à instrução de processos (na UNI) com base em compromissos, que posteriormente, como foi o caso, se mostrem honrados, não acha que deverão ser, cada vez mais normais, num País que se quer aproximar das práticas do 1º mundo?

6- Não vou gastar mais cera com este (defunto) problema, a que aliás o nosso primeiro-ministro já deu cabal resposta, mas sempre direi que considero processos de intenção deste tipo, não só visceralmente abjectos como profundamente perniciosos para um país que necessita cerrar fileiras para sair do fosso em que outros o deixaram e não pode despender esforços ou distrair-se com “fait-divers” menores e mal intencionados que nada de útil trazem à nossa, ainda não totalmente consolidada, democracia. Passemos então às razões e intenções do meu post que, pelos vistos, alguns não entenderam, ou não lhes interessa entender.