Caros amigos, Não resisto a publicar uma parte de um paper elaborado pelo meu querido amigo Eng. Jorge Rua em que este conceituado ambientalista aborda esta temática:
(…) E se não existisse o Porto de Aveiro?
É importante, dado que se estão a analisar os impactes da actividade do Porto de Aveiro na erosão costeira, equacionar um cenário de evolução desta região em geral, e da costa em particular, caso não tivesse sido construído o Porto de Aveiro. E nesta análise não posso deixar de fazer uma breve referência ao historial deste Porto e da região que, afinal, como tantos afirmam e uns poucos teimam em contrariar, são inseparáveis.
1318 – Primeira representação cartográfica da costa Portuguesa (Petrus Visconte). Representa uma realidade anterior a essa data. O mar ocupa toda a superfície da laguna.
Séc. XV – Cordão atingiu a Senhora das areias. Laguna oferece condições magníficas para porto e desenvolvimento das várias actividades económicas. Situação da barra perto do Vouga assegura a manutenção das condições de navegabilidade e um bom escoamento das águas das cheias. São construídas as muralhas da cidade e esta atinge os 2769 habitantes. Pesca no mar e na laguna, porto com movimento intenso e grande produção agrícola e de sal (500 marinhas).
1500-1575 – População atinge os 14.000 habitantes. Há na vila numerosos comerciantes estrangeiros. “ O movimento do Porto era contínuo; de dia e de noite, marítimos, marnotos e medidores, armavam as suas tendas fora das muralhas para carga e descarga de navios. Não tocava o sino de ronda, e não se fechavam as portas da vila do lado da Cale de S. João, para permitir a entrada e saída livre a qualquer hora.” [21]. A praça conta com 100 navios. Após a descoberta da Terra Nova os armadores de Aveiro fundam uma colónia. 50 navios portugueses, com uma tonelagem de 3.000 toneladas asseguram o movimento entre esta colónia e Aveiro.
1575 – Cordão litoral chega ao paralelo das dunas da Gafanha.
1580 – Perda da independência Nacional.
1584 – Barra estava a 3 quilómetros ao sul da actual.
1592 – Derrota da Invencível Armada. Ingleses e holandeses atacam o comércio marítimo nacional e apoderam-se das pescarias na Terra Nova.
1598 – CM de Aveiro diz que tem que mudar três ou quatro vezes por ano, às vezes mais, os paus de sinais da Barra. Esta estava a sul da Costa Nova.
1611 – Já não há navios em Aveiro. Em Portugal também restam poucos.
1619-1924 – Entram 280 navios no Porto de Aveiro (46 por ano). Principal importação: bacalhau. Exportação é representada por 34 navios estrangeiros que carregaram sal.
1643 – A Barra atinge a Vagueira.
1683-1699 – Entram 245 navios estrangeiros no Porto de Aveiro (14 navios por ano). Metade trazem bacalhau.
1685 – População: 10.000 habitantes. A agricultura está em ruína, não há condições para fazer sal, há um empobrecimento geral. O único comerciante inglês que ainda estava na vila não tem comprador para um navio de bacalhau que mandou vir.
1687 – A vila manda vir dois engenheiros holandeses para estudar a abertura da barra. Propõem abertura em S. Jacinto mas não há dinheiro para a obra.
Séc. XVIII – Entraram 238 navios (2 a 3 por ano). Há largos períodos em que não há entrada nenhuma. Não há importação de bacalhau nem exportação de sal. Sem comunicação com o mar, a água do Vouga estagna na laguna, não há actividade económica e a população morre de fome e de paludismo. “No quadro da apagada vida nacional, Aveiro era uma cidade insalubre, faminta, angustiada, pedindo em vão que a salvassem”[23].
1736 – População: 5.300 habitantes.
1756 – A Barra atinge a Costa de Mira, concluindo-se assim a formação do cordão litoral e fechando completamente a laguna.
1757 – É aberto pelo capitão-mor João de Souza um regueirão na Vagueira por onde se escoaram as águas temporariamente.
1767 – População: 4.400 habitantes.
1789 – Havia em Aveiro apenas dois barcos de pesca e duas companhas de xávega que trabalhavam de Junho a Fevereiro.
1797- População: 3.500 habitantes.
1802 – Reinaldo Oudinot e Luíz Gomes de Carvalho estudam o problema e optam por reabrir a barra em S. Jacinto.
1808 – É aberta pelo Eng.º Luíz Gomes de Carvalho a actual barra que, posteriormente com as obras de fixação e melhoria das condições de navegabilidade, iniciou um novo período de prosperidade em Aveiro.
1859- Após assoreamento da barra e reabertura da antiga barra da Vagueira, é construído pelo Eng.º Silvério Pereira da Silva o molhe norte com uma extensão de 400 metros, e prolongado o molhe central de modo a fixar o canal da barra.
Partindo deste breve historial, coloquemos agora as premissas de dois cenários possíveis para a evolução desta região, sem estruturas portuárias.
1º Cenário – Sem qualquer obra de fixação da barra
Se o Engº Luíz Gomes de Carvalho não tivesse procedido às obras para abertura da actual barra, a evolução da região é facilmente encontrada no que foi descrito para os anos que precederam esta obra. A ria, sem trocas de água com o mar ou com trocas intermitentes feitas por uma barra errática, à semelhança de outras lagunas onde isto acontece ainda actualmente, continuaria a ser um vasto pântano e toda a região insalubre [26, 27]. Talvez mais tarde fosse objecto de obras de drenagem, mas o desenvolvimento económico estaria irremediavelmente condenado a um grande atraso. E sem o motor do Porto de Aveiro para canalizar vontades e dinheiros para este efeito, é dificil crer que as obras pudessem ser feitas. Independentemente disto, de certeza que a Ria não seria o vasto corpo de água com a importância económica e conservacionista que hoje tem [18,28,29,30].
Quanto à evolução da zona costeira, neste cenário sem intervenção, seria condicionada por dois factores essenciais. O primeiro seria uma barra errática, que poderia abrir em qualquer local entre a Torreira e o Areão. A barra acabaria por evoluir eventualmente entre uma zona mais restrita que, se atentarmos aos dados históricos, se situaria entre a Costa Nova e o Areão. A partir da segunda metade do século passado, passaria a ser decisiva a deficiente alimentação aluvionar, que se regista actualmente.
A barra errática impediria o cultivo dos actuais campos entre a Costa Nova e o Areão e concerteza que não existiria a povoação da Vagueira que, curiosamente, se situa em cima do regueirão aberto em 1757 pelo capitão-mor João de Souza e posteriormente reaberto em 1859. Esgotado o caudal aluvionar do Rio Douro (tal como acontece actualmente) toda a zona passaria a ser sujeita a erosão, com uma diferença em relação à situação actual: a Torreira, S. Jacinto, Barra e Costa Nova, sem os molhes do porto a servir de protecção, ou não existiriam ou teriam problemas de erosão semelhantes aos que existem em Maceda e no Furadouro.
2º Cenário – Fixação artificial da Barra, sem obras portuárias
Neste cenário admite-se que a obra de fixação da barra serviria apenas para permitir o escoamento das águas da Ria para o mar, não sendo assim necessário manter as profundidades para navegação. Seria resolvido o problema da salubridade da região mas a manutenção da barra, mesmo para estes fins, obrigaria a dragagens constantes ou a intervenções pontuais importantes, à semelhança do que acontece na lagoa de Óbidos.
Com menores amplitudes de maré, a fisiografia da Ria de Aveiro seria diferente. Com menor área molhada e canais reduzidos, actividades como navegação de recreio, pesca, aquicultura e apanha de bivalves não teriam a expressão que têm actualmente.
Na zona costeira poucas alterações haveria em relação ao cenário anterior. Com a barra fixa, mas sem o molhe Norte e sem alimentação aluvionar de Norte, a zona de erosão passaria a incluir o trecho entre a Torreira e S. Jacinto, que actualmente está protegida por aquele molhe.
Verifica-se assim que o Porto de Aveiro teve e tem vários impactes ambientais importantes. O primeiro, que tantos esquecem, é a manutenção da Ria que, sem barra, rapidamente desapareceria.(…)
Gostei de explanação exaustiva feita sobre a nossa laguna, a barra,e sobre o porto de Aveiro.
Interessante a luta para colmatar os efeitos indesejaveis das águas. A abertura do leito do Rio Novo do Príncipe, foi, penso, também uma das soluções para evitar os charcos de águas estagandas, existentes em toda a zona envolvente de Cacia, e que, proporcionavam um "campo" na criação de mosquitos,que ali assentavam arraiais, contribuindo desse modo, para a propagação do paludismo, que dizimava a população.
Mas foi agradavel ler o modo como a nossa Barra e logo o nosso porto de aveiro evoluiu e a riqueza dele, para toda esta nossa região, além do modo que influenciava positiva ou negativamente, a par das doenças, na própria demografia da nossa região. Parabéns pela crónica
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Caros amigos,
Não resisto a publicar uma parte de um paper elaborado pelo meu querido amigo Eng. Jorge Rua em que este conceituado ambientalista aborda esta temática:
(…) E se não existisse o Porto de Aveiro?
É importante, dado que se estão a analisar os impactes da actividade do Porto de Aveiro na erosão costeira, equacionar um cenário de evolução desta região em geral, e da costa em particular, caso não tivesse sido construído o Porto de Aveiro. E nesta análise não posso deixar de fazer uma breve referência ao historial deste Porto e da região que, afinal, como tantos afirmam e uns poucos teimam em contrariar, são inseparáveis.
1318 – Primeira representação cartográfica da costa Portuguesa (Petrus Visconte). Representa uma realidade anterior a essa data. O mar ocupa toda a superfície da laguna.
Séc. XV – Cordão atingiu a Senhora das areias. Laguna oferece condições magníficas para porto e desenvolvimento das várias actividades económicas. Situação da barra perto do Vouga assegura a manutenção das condições de navegabilidade e um bom escoamento das águas das cheias. São construídas as muralhas da cidade e esta atinge os 2769 habitantes. Pesca no mar e na laguna, porto com movimento intenso e grande produção agrícola e de sal (500 marinhas).
1500-1575 – População atinge os 14.000 habitantes. Há na vila numerosos comerciantes estrangeiros. “ O movimento do Porto era contínuo; de dia e de noite, marítimos, marnotos e medidores, armavam as suas tendas fora das muralhas para carga e descarga de navios. Não tocava o sino de ronda, e não se fechavam as portas da vila do lado da Cale de S. João, para permitir a entrada e saída livre a qualquer hora.” [21]. A praça conta com 100 navios. Após a descoberta da Terra Nova os armadores de Aveiro fundam uma colónia. 50 navios portugueses, com uma tonelagem de 3.000 toneladas asseguram o movimento entre esta colónia e Aveiro.
1575 – Cordão litoral chega ao paralelo das dunas da Gafanha.
1580 – Perda da independência Nacional.
1584 – Barra estava a 3 quilómetros ao sul da actual.
1592 – Derrota da Invencível Armada. Ingleses e holandeses atacam o comércio marítimo nacional e apoderam-se das pescarias na Terra Nova.
1598 – CM de Aveiro diz que tem que mudar três ou quatro vezes por ano, às vezes mais, os paus de sinais da Barra. Esta estava a sul da Costa Nova.
1611 – Já não há navios em Aveiro. Em Portugal também restam poucos.
1619-1924 – Entram 280 navios no Porto de Aveiro (46 por ano). Principal importação: bacalhau. Exportação é representada por 34 navios estrangeiros que carregaram sal.
1643 – A Barra atinge a Vagueira.
1683-1699 – Entram 245 navios estrangeiros no Porto de Aveiro (14 navios por ano). Metade trazem bacalhau.
1685 – População: 10.000 habitantes. A agricultura está em ruína, não há condições para fazer sal, há um empobrecimento geral. O único comerciante inglês que ainda estava na vila não tem comprador para um navio de bacalhau que mandou vir.
1687 – A vila manda vir dois engenheiros holandeses para estudar a abertura da barra. Propõem abertura em S. Jacinto mas não há dinheiro para a obra.
Séc. XVIII – Entraram 238 navios (2 a 3 por ano). Há largos períodos em que não há entrada nenhuma. Não há importação de bacalhau nem exportação de sal. Sem comunicação com o mar, a água do Vouga estagna na laguna, não há actividade económica e a população morre de fome e de paludismo. “No quadro da apagada vida nacional, Aveiro era uma cidade insalubre, faminta, angustiada, pedindo em vão que a salvassem”[23].
1736 – População: 5.300 habitantes.
1756 – A Barra atinge a Costa de Mira, concluindo-se assim a formação do cordão litoral e fechando completamente a laguna.
1757 – É aberto pelo capitão-mor João de Souza um regueirão na Vagueira por onde se escoaram as águas temporariamente.
1767 – População: 4.400 habitantes.
1789 – Havia em Aveiro apenas dois barcos de pesca e duas companhas de xávega que trabalhavam de Junho a Fevereiro.
1797- População: 3.500 habitantes.
1802 – Reinaldo Oudinot e Luíz Gomes de Carvalho estudam o problema e optam por reabrir a barra em S. Jacinto.
1808 – É aberta pelo Eng.º Luíz Gomes de Carvalho a actual barra que, posteriormente com as obras de fixação e melhoria das condições de navegabilidade, iniciou um novo período de prosperidade em Aveiro.
1859- Após assoreamento da barra e reabertura da antiga barra da Vagueira, é construído pelo Eng.º Silvério Pereira da Silva o molhe norte com uma extensão de 400 metros, e prolongado o molhe central de modo a fixar o canal da barra.
Partindo deste breve historial, coloquemos agora as premissas de dois cenários possíveis para a evolução desta região, sem estruturas portuárias.
1º Cenário – Sem qualquer obra de fixação da barra
Se o Engº Luíz Gomes de Carvalho não tivesse procedido às obras para abertura da actual barra, a evolução da região é facilmente encontrada no que foi descrito para os anos que precederam esta obra. A ria, sem trocas de água com o mar ou com trocas intermitentes feitas por uma barra errática, à semelhança de outras lagunas onde isto acontece ainda actualmente, continuaria a ser um vasto pântano e toda a região insalubre [26, 27]. Talvez mais tarde fosse objecto de obras de drenagem, mas o desenvolvimento económico estaria irremediavelmente condenado a um grande atraso. E sem o motor do Porto de Aveiro para canalizar vontades e dinheiros para este efeito, é dificil crer que as obras pudessem ser feitas. Independentemente disto, de certeza que a Ria não seria o vasto corpo de água com a importância económica e conservacionista que hoje tem [18,28,29,30].
Quanto à evolução da zona costeira, neste cenário sem intervenção, seria condicionada por dois factores essenciais. O primeiro seria uma barra errática, que poderia abrir em qualquer local entre a Torreira e o Areão. A barra acabaria por evoluir eventualmente entre uma zona mais restrita que, se atentarmos aos dados históricos, se situaria entre a Costa Nova e o Areão. A partir da segunda metade do século passado, passaria a ser decisiva a deficiente alimentação aluvionar, que se regista actualmente.
A barra errática impediria o cultivo dos actuais campos entre a Costa Nova e o Areão e concerteza que não existiria a povoação da Vagueira que, curiosamente, se situa em cima do regueirão aberto em 1757 pelo capitão-mor João de Souza e posteriormente reaberto em 1859. Esgotado o caudal aluvionar do Rio Douro (tal como acontece actualmente) toda a zona passaria a ser sujeita a erosão, com uma diferença em relação à situação actual: a Torreira, S. Jacinto, Barra e Costa Nova, sem os molhes do porto a servir de protecção, ou não existiriam ou teriam problemas de erosão semelhantes aos que existem em Maceda e no Furadouro.
2º Cenário – Fixação artificial da Barra, sem obras portuárias
Neste cenário admite-se que a obra de fixação da barra serviria apenas para permitir o escoamento das águas da Ria para o mar, não sendo assim necessário manter as profundidades para navegação. Seria resolvido o problema da salubridade da região mas a manutenção da barra, mesmo para estes fins, obrigaria a dragagens constantes ou a intervenções pontuais importantes, à semelhança do que acontece na lagoa de Óbidos.
Com menores amplitudes de maré, a fisiografia da Ria de Aveiro seria diferente. Com menor área molhada e canais reduzidos, actividades como navegação de recreio, pesca, aquicultura e apanha de bivalves não teriam a expressão que têm actualmente.
Na zona costeira poucas alterações haveria em relação ao cenário anterior. Com a barra fixa, mas sem o molhe Norte e sem alimentação aluvionar de Norte, a zona de erosão passaria a incluir o trecho entre a Torreira e S. Jacinto, que actualmente está protegida por aquele molhe.
Verifica-se assim que o Porto de Aveiro teve e tem vários impactes ambientais importantes. O primeiro, que tantos esquecem, é a manutenção da Ria que, sem barra, rapidamente desapareceria.(…)
Se não existisse o Porto
Era bem bom , sim senhor;
O Benfica, no desporto,
Ai! era sempre o "máior".
Se o Porto não fosse "ser",
Havia apenas a Maia,
E o Rui Rio a concorrer
A "Vila Nova de Gaia...
Se o Porto não fosse Porto,
Quem é que ia alimentar
O sonho de Ribau Esteves
De neste porto...mandar.
Se o Porto não existisse,
Quem é que aguentaria
A VCI, que chatice,
A passar junto a Cacia.
ZÉ MALAGUETA
Gostei de explanação exaustiva feita sobre a nossa laguna, a barra,e sobre o porto de Aveiro.
Interessante a luta para colmatar os efeitos indesejaveis das águas.
A abertura do leito do Rio Novo do Príncipe, foi, penso, também uma das soluções para evitar os charcos de águas estagandas, existentes em toda a zona envolvente de Cacia, e que, proporcionavam um "campo" na criação de mosquitos,que ali assentavam arraiais, contribuindo desse modo, para a propagação do paludismo, que dizimava a população.
Mas foi agradavel ler o modo como a nossa Barra e logo o nosso porto de aveiro evoluiu e a riqueza dele, para toda esta nossa região, além do modo que influenciava positiva ou negativamente, a par das doenças, na própria demografia da nossa região.
Parabéns pela crónica
Cumprimentos
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