sábado, dezembro 10, 2005

A TEORIA DOS JOGOS

A Teoria dos Jogos, assim chamada por ter as suas raízes no estudo de jogos bem conhecidos como o poker o xadrez ou as damas, é um ramo da Matemática que estuda situações estratégicas em que existem vários agentes e a escolha óptima de cada um depende das expectativas relativas às escolhas dos outros. A Teoria dos Jogos que se transformou numa sofisticada abordagem das interacções humanas que envolvem, simultaneamente, a cooperação e o conflito, e se estendeu pelos campos da sociologia, economia, política nacional e internacional e ciência militar, saltou, novamente para a ribalta em virtude da atribuição do Nobel da Economia deste ano ao economista Thomas C. Schelling e ao matemático Robert J. Aumann, devido aos seus trabalhos nesta área.

Thomas Schelling, de 84 anos, professor nas Universidades de Maryland e Harvard é licenciado em economia pela Universidade de Berkeley e doutorado por Harvard e tem um trabalho voltado para a parte prática da aplicação da teoria dos jogos, tendo-se especializado na análise da estratégia de conflitos internacionais, como a guerra fria em torno da possibilidade de uma guerra nuclear e o "equilíbrio do terror" típico dessa era.

Os primeiros aspectos da teoria dos jogos foram explorados pelo matemático francês Émile Borel e a teoria tornou-se um ramo proeminente da matemática na década de 40, especialmente depois da publicação, em 1944, do livro Theory of Games and Economic Behaviour, do matemático húngaro John Von Newmann (1903-1957) e do economista austríaco Oskar Morgenstern (1902-1976).
Schelling, que tinha pertencido à equipa do embaixador Averell Harriman na administração do Plano Marshall em Paris, foi recrutado em 1958 pela Rand Corporation, o chamado “Think Tank”, onde desenvolveu estudos no sentido de aplicar a teoria dos jogos à situação internacional que então se vivia. Escreveu então The Strategy of Conflic (1960), considerada uma obra de referência das ciências sociais, onde analisa a corrida ás armas durante a Guerra Fria e procura demonstrar que há situações nas quais a capacidade de exercer represálias é mais eficaz para intimidar o adversário do que a possibilidade de resistir a um ataque, tendo também demonstrado que, através de concessões de curto prazo, podem ser obtidas vantagens de longo prazo, por exemplo, criando um clima de confiança que permita passar do conflito à cooperação.

Segundo Schelling, a dissuasão não deve ser um jogo de soma zero (mata-mata como diz o nosso seleccionador nacional) mas uma mistura de competição e de cooperação tácita. Assim no decurso da Guerra Fria pode-se ganhar em teatros de operação periféricos sem, em contrapartida, se provocar o apocalipse nuclear. Uma teoria que, como sabemos, trouxe grande felicidade aos industriais do sector do armamento.

Schelling é acusado, por muitos dos seus detractores, de ter aconselhado a fracassada estratégia de campanhas de bombardeamento com duração crescente, na guerra do Vietname (iniciada a 2 de Março de 1965 com a operação Rolling Thunder), que inaugurou um dilúvio de fogo, durante o qual se lançaram seis milhões de toneladas de bombas e que provocou 2 milhões de mortos, mas não teve qualquer influência na determinação do povo vietnamita.

Posteriormente Thomas C. Schelling voltou a ensinar em Harvard, ao mesmo tempo que era consultor da CIA. É neste período que começa a aplicar a teoria dos jogos às negociações comerciais internacionais e que publica Micromotives and Macrobehavior (1978), seguido de Choice and Consequences (1984). Em Junho de 2002 regressa ao palco publicando um controverso artigo na revista do Council of Foreign Relations, Foreign Affairs, em que justifica a recusa do presidente George W. Bush em ratificar o Protocolo de Quioto.

A questão da cooperação está no centro da obra do outro premiado, Robert Aumann, cidadão israelita de 75 anos, da Universidade Hebraica de Jerusalém, o mais teórico dos dois laureados e ex-aluno de J. Nash, com um trabalho altamente matemático e "quase filosófico em alguns aspectos", tendo-se igualmente ilustrado pelas suas investigações esotéricas acerca dos códigos escondidos da Tora.

Aumann, nascido em Frankfurt, foi um pioneiro na análise dos "jogos de repetição infinita" em que os participantes interagem reiteradas vezes ao longo de um extenso período de tempo. Ele mostrou que a cooperação pacífica é frequentemente uma solução de equilíbrio em jogos desse género, mesmo entre participantes com interesses divergentes.

Uma situação típica é, por exemplo, quando duas empresas duopolistas decidem encetar uma guerra de preços. Se ambas não iniciassem a guerra, cada uma manteria metade do mercado com um preço alto. Se uma baixa os preços e a outra não reage, a que baixa os preços absorve a quota de mercado da concorrente. Mas se as duas lutam até ao fim, cada uma delas vai acabar por ficar com metade do mercado, porém a um preço mais baixo do que no inicio da guerra. A conclusão óbvia é que, no fundo, a melhor decisão por parte de cada uma das empresas depende da sua suposição sobre qual é a melhor decisão para a outra.

Outra contribuição de Aumann à teoria dos jogos, mencionada pela Academia de Ciências Sueca na justificação do prémio, é a inclusão da análise do impacto, sobre os diversos aspectos dos jogos, do conhecimento que cada uma das partes tem. Trata-se de um aspecto que pode ser decisivo para tomar decisões e que Aumann desenvolveu ao lado de Michael Maschler na teoria conhecida como “teoria dos jogos repetidos com informações assimétricas”, nos quais um dos participantes tem mais informações do que os outros sobre alguns aspectos do jogo.

Robert J. Aumann é, no entanto, apontado, pelos seus detractores, como sendo partidário do “Grande Israel”, numa base racial judia e teorizar o princípio da "cooperação forçada" pelo "medo da sanção" no tratamento infligido aos palestinianos.

Mas não é a primeira vez que a trabalhos sobre a Teoria dos Jogos são premiados pela Academia Sueca. Em 1994, por trabalhos sobre o mesmo tema, ganharam o Nobel os economistas John Nash, John Harsanyi e Reinhard Selten.

John Forbes Nash, nascido em 1928, cuja primeira façanha foi demonstrar aos 14 anos um dos teoremas de Fermat e que viveu nos mundos opostos da racionalidade e da loucura, teve a sorte de poder desfrutar dos anos mais efervescentes de Princeton, que já foi chamada o "centro do Universo" da matemática, estudando e trabalhando com matemáticos e cientistas cuja a genialidade e importância é sobejamente conhecida, como Einstein, John von Neumann, Godel e Oppenheimer. Nash desenvolveu, aos 21 anos, o teorema do equilíbrio em jogos não-cooperativos (o chamado Equilíbrio de Nash), que lhe valeria o Nobel 44 anos depois.

A sua ascensão meteórica foi interrompida pela esquizofrenia, tendo sido internado pela primeira vez em 1959 e, após ter passado largos anos em tratamentos e vagando pelo Instituto de Estudos Avançados de Princeton, ocorreu, nos anos 90, uma inesperada remissão da doença, que lhe permitiu, poucos anos depois, receber das mãos do monarca sueco, o Nobel, que dividiu com Harsanyi e Selten.

Todavia Nash e o chamado “equilíbrio de Nash” (que corresponde a uma situação em que nenhum jogador se arrepende de sua estratégia, dadas as posições de todos os outros), acabariam por ser popularizados pelo filme “Uma Mente Brilhante”, inspirado na sua biografia escrita pela jornalista Sylvia Nasar, que ganhou 4 Óscares (incluindo o do melhor filme e direcção) no qual a vida e os problemas psiquiátricos de Nash foram interpretado por Russell Crowe, mas no qual, e infelizmente, como alguns economistas defendem, a única indicação sobre o assunto está errada.

Mas este post está a ficar como a espada de D. Afonso Henriques. Comprida e chata. Por isso vou acabar por aqui. Mas fica a promessa de retornar ao tema pelo menos para explicitar melhor a classificação dos jogos e falar um pouco sobre o chamado “Dilema do Prisioneiro” popularizado pelo matemático Albert W. Tucker, que tem muitas aplicações no estudo da cooperação entre indivíduos e que nos poderá dar muitas pistas sobre comportamentos dos nossos políticos e, particularmente, dos líderes dos partidos da coligação “Juntos por Aveiro” face ao seu candidato "independente".