sexta-feira, março 31, 2006

DEZ RÉIS DE ESPERANÇA

Se não fosse esta certeza
que nem sei de onde me vem,
não comia, nem bebia,
nem falava com ninguém.
Acocorava-me a um canto,
no mais escuro que houvesse,
punha os joelhos à boca
e viesse o que viesse.
Não fossem os olhos grandes
do ingénuo adolescente,
a chuva das penas brancas
a cair impertinente,
aquele incógnito rosto,
pintado em tons de aguarela,
que sonha no frio encosto
da vidraça da janela,
não fosse a imensa piedade
dos homens que não cresceram,
que ouviram, viram, ouviram,
viram, e não perceberam,
essas máscaras selectas,
antologia do espanto,
flores sem caule, flutuando
no pranto do desencanto,
se não fosse a fome e a sede
dessa humanidade exangue,
roía as unhas e os dedos
até os fazer em sangue.

António Gedeão

4 Comments:

At sexta-feira, março 31, 2006 3:41:00 PM, Anonymous Anônimo said...

Amigo RM, sou dos que acreditam que o dia de hoje é tão importante para Aveiro como seria se estivesse em causa a liderança de um partido da maioria. A democracia é tão mais forte e mais credível quanto mais saudável e credível for a oposição. Desejo-lhe, por isso, votos de sucesso em nome do aveirismo que a todos une. E daqui de onde lhe escrevo, de bem longe desse recanto à beira-mar plantado que é a nossa pequena pátria, da dita terra da civilização mas onde não chegam notícias do que se passa por aí (desta vez não é do alto do farol...), receba (por uma única vez....) os votos de sucesso político porque a Aveiro faz falta um PS diferente. Aceite a consideração do Farol da Barra!

 
At sexta-feira, março 31, 2006 3:50:00 PM, Blogger Pé de Salsa said...

Caro Dr. Raul

Como o entendo!

"Poema da malta das naus"

Lancei ao mar um madeiro,
espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do Sol.

Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo.
pelote de vagabundo,
rebotalho de gibão.

………

Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
do sonho, esse, fui eu.

O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal.

António Gedeão

 
At sexta-feira, março 31, 2006 11:33:00 PM, Blogger Migas (miguel araújo) said...

Espectacular este poema de António Gedeão.
Apenas uma simples sugestão...
Como já deu para perceber o alcance cultural do ilustre Doutor, quando aqui postar mais alguma obra literário, atrevo-me a sugerir-lhe que para além do autor, indique o título e o livro (se caso disso).
Não vá alguém (como eu) gostar e querer comprar ou ler mais.
Obrigado.
Um abraço

 
At sábado, abril 01, 2006 11:04:00 PM, Blogger RM said...

Caro Farol da Barra,
Obrigado pelas suas palavras

Pé de Salsa,
Andamos pelas mesmas avenidas. Um dia destes ainda nos vamos encontrar. Por aí...
E já agora Pé de salsa na nossa geração tinha um particular significado...

Caro Migas,
Fico contente com as suas palavras que não mereço e mais contente fico por sentir que posso ter contribuído para o seu interesse pela boa literatura.
Os poemas do António Gedeão pode-os encontrar em António Gedeão, Obra Poética, Edições João Sá da Costa.
O Guardador de Rebanhos pode ser lido em Alberto Caeiro, Poesia, Edição Assírio e Alvim.
Felizmente em Aveiro há boas livrarias onde se podem encontar com facilidade estes livros que lhe recomendo.

 

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