A CIGARRA E A FORMIGA
Numa das noites frias deste Natal, ao calor da lareira e no remanso da família, tive a oportunidade de rever em filme uma das fábulas que mais encantou a minha infância. Mas, quando a cigarra, já com a mão na aldraba da porta do formigueiro, se preparava para bater e eu, já meio levantado, aguardava a moralizadora deixa final “Cantavas? Pois dança agora!” para ir buscar mais uma rabanada, fiquei surpreendido porque, contrariamente ao que esperava, a história não acabava aí.
De facto esta nova adaptação da fábula de “La Fontaine” continuava com uma reprimenda da rainha das formigas à escanzelada cigarra, logo seguida pelo convite para entrar no formigueiro, não fosse a coitada enregelar lá fora e as formigas ficarem com encargos de consciência. E assim passaram o inverno, felizes à volta da farta mesa granjeada pela labuta estival das obreiras, com a retemperada cigarra a animar os longos serões de inverno com o seu abundante repertório musical e vasto leque de larachas. Tarefa que, até ao regresso do tempo dos trigais, entremeou com o ensino da sua “arte” a algumas formigas novas, encantadas com a sua personalidade e o seu engenho.
Fiquei surpreso com este novo enredo mas, rapidamente, compreendi que até as fábulas, para sobreviverem, têm de se adaptar aos novos tempos. E numa sociedade em que um fato de bom corte, uns sapatos engraxados, um carácter cordato, um cartão de crédito bem dourado e uma mão cheia de enganosas pilhérias na ponta da língua fazem maravilhas na criação duma imagem de sucesso, quem comprará uma história a defender o trabalho árduo, a ética, a submissão dos interesses privados ao interesse colectivo, o rigor da cadeia de liderança e, acima de tudo, a poupança?
Estou convencido que se não quisermos, no futuro, ter as nossas praças apinhadas de estátuas de cigarras, temos de, rapidamente, começar a trabalhar na restauração de alguns princípios que devem balizar a nossa vida em sociedade. E desmitificar alguns dogmas que o nosso sistema político e eleitoral engendrou, recuperando a ideia do que é certo e do que é errado, do que é justo e do que é injusto.
É necessário, por exemplo, dizer que as receitas públicas não jorram de uma qualquer inesgotável cornucópia do Governo ou das Autarquias. São basicamente resultantes dos impostos dos cidadãos, alguns nascidos e outros ainda por crescer ou até nascer, consoante resultam do recurso a impostos actuais ou a empréstimos. É preciso fazer com que os dinheiros públicos sejam geridos com a máxima parcimónia e acabar com a ideia de que o melhor governante é aquele que faz mais obra ou distribui benesses indiscriminadamente.
É forçoso explicar, que uma obra sumptuária, por mais que encha o ego de um qualquer Presidente de Câmara que a mandou fazer implica, por exemplo, a não descida dos impostos durante x anos, que não se pavimentem as estradas durante y anos ou que as escolas que os nossos filhos frequentam não sejam renovadas nesta geração.
De facto esta nova adaptação da fábula de “La Fontaine” continuava com uma reprimenda da rainha das formigas à escanzelada cigarra, logo seguida pelo convite para entrar no formigueiro, não fosse a coitada enregelar lá fora e as formigas ficarem com encargos de consciência. E assim passaram o inverno, felizes à volta da farta mesa granjeada pela labuta estival das obreiras, com a retemperada cigarra a animar os longos serões de inverno com o seu abundante repertório musical e vasto leque de larachas. Tarefa que, até ao regresso do tempo dos trigais, entremeou com o ensino da sua “arte” a algumas formigas novas, encantadas com a sua personalidade e o seu engenho.
Fiquei surpreso com este novo enredo mas, rapidamente, compreendi que até as fábulas, para sobreviverem, têm de se adaptar aos novos tempos. E numa sociedade em que um fato de bom corte, uns sapatos engraxados, um carácter cordato, um cartão de crédito bem dourado e uma mão cheia de enganosas pilhérias na ponta da língua fazem maravilhas na criação duma imagem de sucesso, quem comprará uma história a defender o trabalho árduo, a ética, a submissão dos interesses privados ao interesse colectivo, o rigor da cadeia de liderança e, acima de tudo, a poupança?
Estou convencido que se não quisermos, no futuro, ter as nossas praças apinhadas de estátuas de cigarras, temos de, rapidamente, começar a trabalhar na restauração de alguns princípios que devem balizar a nossa vida em sociedade. E desmitificar alguns dogmas que o nosso sistema político e eleitoral engendrou, recuperando a ideia do que é certo e do que é errado, do que é justo e do que é injusto.
É necessário, por exemplo, dizer que as receitas públicas não jorram de uma qualquer inesgotável cornucópia do Governo ou das Autarquias. São basicamente resultantes dos impostos dos cidadãos, alguns nascidos e outros ainda por crescer ou até nascer, consoante resultam do recurso a impostos actuais ou a empréstimos. É preciso fazer com que os dinheiros públicos sejam geridos com a máxima parcimónia e acabar com a ideia de que o melhor governante é aquele que faz mais obra ou distribui benesses indiscriminadamente.
É forçoso explicar, que uma obra sumptuária, por mais que encha o ego de um qualquer Presidente de Câmara que a mandou fazer implica, por exemplo, a não descida dos impostos durante x anos, que não se pavimentem as estradas durante y anos ou que as escolas que os nossos filhos frequentam não sejam renovadas nesta geração.
É fundamental que os políticos sejam obrigados a falar verdade e é necessário preparar as populações para que, nos actos eleitorais, que provocam tantos destes desmandos, saibam reconhecer (e recompensar) quem governou bem e punir quem governou mal e sejamos capazes de optar por aquele que mais contribuiu para o nosso bem-estar colectivo. Mesmo quando não é da nossa cor política. Mesmo quando, algumas vezes, impuseram medidas que nos foram pessoalmente dolorosas.
Estou-me a lembrar, à guisa de exemplo, de um recente acontecimento que vai marcar de forma indelével o futuro dos aveirenses. O empréstimo de 58 milhões de euros que o actual executivo autárquico constituiu junto da CGD para proceder ao saneamento financeiro do Município e pagar todas as dívidas de curto prazo existentes. Empréstimo que como é consabido vai ser pago a partir de 2010 e vai gerar encargos no montante estimado de 24 milhões de euros. E não vou hoje sequer falar do erro monumental de opção por uma taxa fixa feita por este executivo, apesar dos conselhos dos técnicos, que só durante o período de carência de 2 anos, vai aumentar os encargos em cerca de 3 milhões de euros.
Quando se soube em Aveiro que um empréstimo de 360 milhões de euros, com fim semelhante foi recusado a Lisboa alguns espíritos menores que vagueiam pelos corredores da Câmara rejubilaram. Grande vitória. Este competente executivo aveirense, que ainda por cima não é da cor politica do Governo conseguiu uma coisa que a Câmara do ex-ministro que fez a lei não conseguiu. Estamos todos de parabéns.
Vitória de Pirro!
Não vamos discutir a decisão do Tribunal de Contas que por si só daria para escrever uma mão-cheia de artigos, deixando apenas uma nota para o facto de ter achado insuficiente o plano de saneamento apresentado pela autarquia Lisboeta e ter-se abstido de recomentar o que foi apresentado pela autarquia aveirense, depois de o ter arrasado num primeiro acórdão. Coisas de tribunais.
Mas, gostaríamos de tentar fazer uma comparação objectiva entre as duas realidades (a de Aveiro e a de Lisboa) utilizando para isso alguns valores retirados das contas regionais do INE e do Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses.
Lisboa e Aveiro parecem ser, à primeira vista, duas realidades completamente diferentes. O Município de Lisboa compreende 53 freguesias e tem uma população de cerca de 510 mil habitantes que reside nos seus 84 km2. Aveiro tem 14 freguesias e cerca de 73 mil habitantes residentes nos seus cerca de 200 km2. O rendimento disponível das famílias nas zonas a que pertencem era respectivamente de 12.857€ e de 9.291€, embora seja de presumir que no Município de Aveiro o rendimento disponível das famílias seja bastante superior à média do da zona Centro em que está inserido.
Portanto, basicamente, Lisboa tem uma população que supera a de Aveiro em cerca de 7 vezes, reside num território 2,4 vezes mais pequeno e tem um rendimento disponível das famílias cerca de 38% superior.
Porém quando analisamos alguns indicadores financeiros começamos a verificar que a situação de Lisboa não era, no início de 2007, melhor do que a situação de Aveiro. A liquidez de Lisboa (negativa em cerca de 179 milhões de euros) era cerca de 6,3 vezes superior à de Aveiro e o seu passivo exigível (dívida) cerca de 8,3 vezes superior, do que resultava que em Lisboa existisse uma dívida por habitante de 2.081,46€ e em Aveiro “apenas” de 1.607,21€.
Por outro lado o peso das receitas provenientes de impostos era em Lisboa de 59,2%, superior em mais de 20% do seu peso em Aveiro (48,8%) e, mais importante, as receitas de impostos e taxas por habitante eram em Lisboa de 662,40€ e, em Aveiro, de menos de metade (300,30€), o que prenunciava maior resistência social à aplicação aumento de taxas e impostos em Lisboa do que, comparativamente, em Aveiro.
Face a estes valores, fruto de desavisadas e imprudentes gestões anteriores, os presidentes de Câmara eleitos solicitaram pedidos de visto a empréstimos destinados a consolidar a sua dívidas de curto prazo (360 milhões em Lisboa e 58 milhões em Aveiro). Mas se até aqui existem muitas semelhanças, nada a partir daqui foi igual.
O Dr. Élio Maia apresentou, num famoso Power Point, o seu Plano de Saneamento Financeiro, um arrazoado de medidas incoerentes e inúteis, recusando-se a assumir os custos políticos da aplicação das medidas necessárias à eliminação do défice estrutural do Município Aveirense e limitando-se a rezar a todos os santos para que o empréstimo, sua derradeira esperança política, fosse aprovado. Entretanto a dívida foi aumentando sendo hoje bastante superior à que encontrou quando foi eleito Presidente e, estamos certos que uma vez dissipado o empréstimo, regressará em grande estilo, porque a verdadeira razão da sua existência continua incólume e este executivo já demonstrou não ter competência, nem coragem política, para enfrentar e resolver o problema.
Ao invés, em Lisboa António Costa não ficou de braços parados à espera do visto do TC. Assumiu pessoalmente a liderança de um grande esforço de poupança municipal e tomou medidas politicamente corajosas (das quais a imprensa fez grande alarido) tendo conseguido, à custa de muitos sacrifícios impostos aos lisboetas, reduzir a dívida em cerca de 180 milhões de euros. Por outro lado conseguiu renegociar cerca de 110 milhões de euros com os credores e hoje já não precisa dos 360 milhões de empréstimo e, se necessitar de algum financiamento, já o pode fazer fora do âmbito do saneamento financeiro, pelo que nem sequer vai recorrer do chumbo do TC para o Tribunal Constitucional.
Dois problemas semelhantes, duas soluções bem diferentes. E os lisboetas têm razões para se orgulhar do Presidente que elegeram. Bem ao contrário de nós! Resta saber qual vai ser a moral desta nova versão da história da cigarra e da formiga. Mas confio visceralmente na inteligência, capacidade de discernimento e justiça dos cidadãos aveirenses. E, sinceramente, espero que não construam para esta fábula um final semelhante ao do filme que eu vi, nestes dias de Natal.
6 Comments:
Dr! o que se passa? aonde páram os habituais comentadores do seu blog? Será que estão a "hibernar" para debaixo do guarda-chuva do Alberto Souto? Cuidado doutor, olhe que eles andam por aí. Quem avisa...
Entao o acessor picou-o e o doutor respondeu??
Fica-lhe mal!
Ouvi agora na rádio que um membro da AM, do CDS, teve a lata de lhe perguntar quanto é que o dr. ganha por mês.
Isto é o grau zero da política. Esta maioria que nos (des)governa no concelho é incapaz de qualquer elevação. É por isso que quem tem dois dedos de testa se afasta desta subgente...
PS1: para quem não sabe, um lactogalo é um garnizé cujo prazo de validade - (inferior ao de um yogurte) - já expirou. Tenho dito.
PS2: sempre é verdade que há um membro da AM (órgão que é suposto fiscalizar o executivo) que recebe um vencimento de uma empresa que é detida por um vereador do mesmo partido? Isso sim, a ser verdade, seria uma imoralidade... Mas eu não acredito.
"Raul Martins compatível" in OLN 30.12.08
ó dr, é compativel com quê? com o windows 2000, com o windows xp, com o windows vista?.... esclareça lá essa malta que eles andam confusos.
da-se....e perguntaram-lhe mesmo quanto é que ganha? deviam ter peguntado também quem é que lhe paga. e na sequência do anónimo das 10:40 am, já agora quem pergunta, por uma questão de equidade, deve também apresentar a mesma informação.
ó anónimo das 10:40, então vc não acredita...pois acredite homem...acredite....
Já comentei em Posts anteriores a minha opinião sobre o assunto agora por si abordado.
São incomensuráveis as diferenças de comportamento entre Lisboa e Aveiro nos modos e actuação perante uma situação comum.
Agora que tanto se fala nisso, aqui está uma situação em que deveria haver avaliação para ser aferido, preto no branco, a razão ou não razão, dos prognósticos dos eleitores aquando das eleições.
Reconheça que a Democracia tem muitos defeitos!
Depois quero felicitá-lo por este trabalho que apresentou dado ser acessível a qualquer um com o mínimo de noções de introdução à economia.
Os comentadores que me antecederam não seguiram o ponto da “ordem de trabalhos” e esmiuçaram os “diversos”...
Que me seja também concedido escolher os temas que quero abordar.
Efectivamente o meu Amigo é o centro de atenções dos seus adversários políticos. Gostam de o atazanar, se calhar têm medo.
Acho esse medo uma coisa estúpida porque não passa de um reconhecer íntimo de ser transcendido pelo saber e conhecimentos dos outros.
Continuando,
Foi pena não ter dito ao senhor arquitecto Anes na última AM, quanto ganhava.
Eu dizia!
Mas já agora, e se me permite, não sabendo mas calculando, coisa que o senhor arquitecto não sabe fazer porque isso de cálculos pertence a engenheiros, lá dos “betões armados” e a mais alguns que sabem contar até 10:
Portanto aqui vai:
O senhor é Professor no Isca + Gestor de empresa privada + Cargo de confiança política lá onde for,
É bem capaz de pagar ao fim do ano mais IRS que a Senhora Presidente da Mesa da Assembleia Municipal + Deputada da Nação.
Mais uma coisa:
Faltoso às obrigações laborais VC não deve poder ser, se não lá se vão os “rechonchudos” rendimentos…
Mas olhe que bom, bom, é ~mesmo ser Deputado da Nação…
Não há avaliação, pelo menos oficialmente.
Por isso, quando faltam ao “serviço” e se piram não sei para onde vão às dezenas de uma só vez…
Olhe que se estivéssemos à porta e a ver aquela debandada, aquilo deveria parecer para si que é caçador, “manadas”, e para mim que sou pescador, “cardumes”
E já agora que veio à baila o paradigma, ordenados e vencimentos, (coisa de que estou livre porque sou proprietário) gostei daquela em que a sua bancada obrigou a Presidente da Mesa a ler o expediente, tim-tim por tim-tim, a dizer implicitamente que as funções que VC exercia, não eram incompatíveis com as de deputado municipal.
Muita gente ficou pior que estragada, acredite. Mauzinhos, invejosos!
O Miguel Fernandes, o autor do “processo de inquérito”que volta e meia mete a “pata na poça” politicamente, não tem mau fundo, nem faz as coisas por mal...
Foi o autor da queixinha mas eu acho que foi para mostrar serviço a alguém que lho encomendou.
Bom ano para si, com muita saúde para todos os seus, sucessos familiares, profissionais e políticos, que eu vou aos Açores festejar a passagem do Ano, enquanto Portugal não é uma Federação!
Então dr., já leu o DA de hoje?
O Secretário de Estado do Desporto garantiu que os clubes vão continuar a utilizar a piscina e pavilhão que a CM devolveu ao Estado. E, com isso, eles iam para o "olho da rua" no final do ano.
O nosso Filipe Neto Brandão, pelos vistos, lá interveio mais uma vez em favor dos verdadeiros interesses de Aveiro. Obrigado.
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