segunda-feira, dezembro 29, 2008

A CIGARRA E A FORMIGA

Numa das noites frias deste Natal, ao calor da lareira e no remanso da família, tive a oportunidade de rever em filme uma das fábulas que mais encantou a minha infância. Mas, quando a cigarra, já com a mão na aldraba da porta do formigueiro, se preparava para bater e eu, já meio levantado, aguardava a moralizadora deixa final “Cantavas? Pois dança agora!” para ir buscar mais uma rabanada, fiquei surpreendido porque, contrariamente ao que esperava, a história não acabava aí.

De facto esta nova adaptação da fábula de “La Fontaine” continuava com uma reprimenda da rainha das formigas à escanzelada cigarra, logo seguida pelo convite para entrar no formigueiro, não fosse a coitada enregelar lá fora e as formigas ficarem com encargos de consciência. E assim passaram o inverno, felizes à volta da farta mesa granjeada pela labuta estival das obreiras, com a retemperada cigarra a animar os longos serões de inverno com o seu abundante repertório musical e vasto leque de larachas. Tarefa que, até ao regresso do tempo dos trigais, entremeou com o ensino da sua “arte” a algumas formigas novas, encantadas com a sua personalidade e o seu engenho.

Fiquei surpreso com este novo enredo mas, rapidamente, compreendi que até as fábulas, para sobreviverem, têm de se adaptar aos novos tempos. E numa sociedade em que um fato de bom corte, uns sapatos engraxados, um carácter cordato, um cartão de crédito bem dourado e uma mão cheia de enganosas pilhérias na ponta da língua fazem maravilhas na criação duma imagem de sucesso, quem comprará uma história a defender o trabalho árduo, a ética, a submissão dos interesses privados ao interesse colectivo, o rigor da cadeia de liderança e, acima de tudo, a poupança?

Estou convencido que se não quisermos, no futuro, ter as nossas praças apinhadas de estátuas de cigarras, temos de, rapidamente, começar a trabalhar na restauração de alguns princípios que devem balizar a nossa vida em sociedade. E desmitificar alguns dogmas que o nosso sistema político e eleitoral engendrou, recuperando a ideia do que é certo e do que é errado, do que é justo e do que é injusto.

É necessário, por exemplo, dizer que as receitas públicas não jorram de uma qualquer inesgotável cornucópia do Governo ou das Autarquias. São basicamente resultantes dos impostos dos cidadãos, alguns nascidos e outros ainda por crescer ou até nascer, consoante resultam do recurso a impostos actuais ou a empréstimos. É preciso fazer com que os dinheiros públicos sejam geridos com a máxima parcimónia e acabar com a ideia de que o melhor governante é aquele que faz mais obra ou distribui benesses indiscriminadamente.

É forçoso explicar, que uma obra sumptuária, por mais que encha o ego de um qualquer Presidente de Câmara que a mandou fazer implica, por exemplo, a não descida dos impostos durante x anos, que não se pavimentem as estradas durante y anos ou que as escolas que os nossos filhos frequentam não sejam renovadas nesta geração.

É fundamental que os políticos sejam obrigados a falar verdade e é necessário preparar as populações para que, nos actos eleitorais, que provocam tantos destes desmandos, saibam reconhecer (e recompensar) quem governou bem e punir quem governou mal e sejamos capazes de optar por aquele que mais contribuiu para o nosso bem-estar colectivo. Mesmo quando não é da nossa cor política. Mesmo quando, algumas vezes, impuseram medidas que nos foram pessoalmente dolorosas.

Estou-me a lembrar, à guisa de exemplo, de um recente acontecimento que vai marcar de forma indelével o futuro dos aveirenses. O empréstimo de 58 milhões de euros que o actual executivo autárquico constituiu junto da CGD para proceder ao saneamento financeiro do Município e pagar todas as dívidas de curto prazo existentes. Empréstimo que como é consabido vai ser pago a partir de 2010 e vai gerar encargos no montante estimado de 24 milhões de euros. E não vou hoje sequer falar do erro monumental de opção por uma taxa fixa feita por este executivo, apesar dos conselhos dos técnicos, que só durante o período de carência de 2 anos, vai aumentar os encargos em cerca de 3 milhões de euros.

Quando se soube em Aveiro que um empréstimo de 360 milhões de euros, com fim semelhante foi recusado a Lisboa alguns espíritos menores que vagueiam pelos corredores da Câmara rejubilaram. Grande vitória. Este competente executivo aveirense, que ainda por cima não é da cor politica do Governo conseguiu uma coisa que a Câmara do ex-ministro que fez a lei não conseguiu. Estamos todos de parabéns.

Vitória de Pirro!

Não vamos discutir a decisão do Tribunal de Contas que por si só daria para escrever uma mão-cheia de artigos, deixando apenas uma nota para o facto de ter achado insuficiente o plano de saneamento apresentado pela autarquia Lisboeta e ter-se abstido de recomentar o que foi apresentado pela autarquia aveirense, depois de o ter arrasado num primeiro acórdão. Coisas de tribunais.

Mas, gostaríamos de tentar fazer uma comparação objectiva entre as duas realidades (a de Aveiro e a de Lisboa) utilizando para isso alguns valores retirados das contas regionais do INE e do Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses.

Lisboa e Aveiro parecem ser, à primeira vista, duas realidades completamente diferentes. O Município de Lisboa compreende 53 freguesias e tem uma população de cerca de 510 mil habitantes que reside nos seus 84 km2. Aveiro tem 14 freguesias e cerca de 73 mil habitantes residentes nos seus cerca de 200 km2. O rendimento disponível das famílias nas zonas a que pertencem era respectivamente de 12.857€ e de 9.291€, embora seja de presumir que no Município de Aveiro o rendimento disponível das famílias seja bastante superior à média do da zona Centro em que está inserido.

Portanto, basicamente, Lisboa tem uma população que supera a de Aveiro em cerca de 7 vezes, reside num território 2,4 vezes mais pequeno e tem um rendimento disponível das famílias cerca de 38% superior.

Porém quando analisamos alguns indicadores financeiros começamos a verificar que a situação de Lisboa não era, no início de 2007, melhor do que a situação de Aveiro. A liquidez de Lisboa (negativa em cerca de 179 milhões de euros) era cerca de 6,3 vezes superior à de Aveiro e o seu passivo exigível (dívida) cerca de 8,3 vezes superior, do que resultava que em Lisboa existisse uma dívida por habitante de 2.081,46€ e em Aveiro “apenas” de 1.607,21€.

Por outro lado o peso das receitas provenientes de impostos era em Lisboa de 59,2%, superior em mais de 20% do seu peso em Aveiro (48,8%) e, mais importante, as receitas de impostos e taxas por habitante eram em Lisboa de 662,40€ e, em Aveiro, de menos de metade (300,30€), o que prenunciava maior resistência social à aplicação aumento de taxas e impostos em Lisboa do que, comparativamente, em Aveiro.

Face a estes valores, fruto de desavisadas e imprudentes gestões anteriores, os presidentes de Câmara eleitos solicitaram pedidos de visto a empréstimos destinados a consolidar a sua dívidas de curto prazo (360 milhões em Lisboa e 58 milhões em Aveiro). Mas se até aqui existem muitas semelhanças, nada a partir daqui foi igual.

O Dr. Élio Maia apresentou, num famoso Power Point, o seu Plano de Saneamento Financeiro, um arrazoado de medidas incoerentes e inúteis, recusando-se a assumir os custos políticos da aplicação das medidas necessárias à eliminação do défice estrutural do Município Aveirense e limitando-se a rezar a todos os santos para que o empréstimo, sua derradeira esperança política, fosse aprovado. Entretanto a dívida foi aumentando sendo hoje bastante superior à que encontrou quando foi eleito Presidente e, estamos certos que uma vez dissipado o empréstimo, regressará em grande estilo, porque a verdadeira razão da sua existência continua incólume e este executivo já demonstrou não ter competência, nem coragem política, para enfrentar e resolver o problema.

Ao invés, em Lisboa António Costa não ficou de braços parados à espera do visto do TC. Assumiu pessoalmente a liderança de um grande esforço de poupança municipal e tomou medidas politicamente corajosas (das quais a imprensa fez grande alarido) tendo conseguido, à custa de muitos sacrifícios impostos aos lisboetas, reduzir a dívida em cerca de 180 milhões de euros. Por outro lado conseguiu renegociar cerca de 110 milhões de euros com os credores e hoje já não precisa dos 360 milhões de empréstimo e, se necessitar de algum financiamento, já o pode fazer fora do âmbito do saneamento financeiro, pelo que nem sequer vai recorrer do chumbo do TC para o Tribunal Constitucional.

Dois problemas semelhantes, duas soluções bem diferentes. E os lisboetas têm razões para se orgulhar do Presidente que elegeram. Bem ao contrário de nós! Resta saber qual vai ser a moral desta nova versão da história da cigarra e da formiga. Mas confio visceralmente na inteligência, capacidade de discernimento e justiça dos cidadãos aveirenses. E, sinceramente, espero que não construam para esta fábula um final semelhante ao do filme que eu vi, nestes dias de Natal.

6 Comments:

At segunda-feira, dezembro 29, 2008 4:09:00 PM, Anonymous Anônimo said...

Dr! o que se passa? aonde páram os habituais comentadores do seu blog? Será que estão a "hibernar" para debaixo do guarda-chuva do Alberto Souto? Cuidado doutor, olhe que eles andam por aí. Quem avisa...

 
At segunda-feira, dezembro 29, 2008 11:20:00 PM, Anonymous Anônimo said...

Entao o acessor picou-o e o doutor respondeu??

Fica-lhe mal!

 
At terça-feira, dezembro 30, 2008 10:40:00 AM, Anonymous Anônimo said...

Ouvi agora na rádio que um membro da AM, do CDS, teve a lata de lhe perguntar quanto é que o dr. ganha por mês.
Isto é o grau zero da política. Esta maioria que nos (des)governa no concelho é incapaz de qualquer elevação. É por isso que quem tem dois dedos de testa se afasta desta subgente...

PS1: para quem não sabe, um lactogalo é um garnizé cujo prazo de validade - (inferior ao de um yogurte) - já expirou. Tenho dito.

PS2: sempre é verdade que há um membro da AM (órgão que é suposto fiscalizar o executivo) que recebe um vencimento de uma empresa que é detida por um vereador do mesmo partido? Isso sim, a ser verdade, seria uma imoralidade... Mas eu não acredito.

 
At terça-feira, dezembro 30, 2008 9:18:00 PM, Anonymous Anônimo said...

"Raul Martins compatível" in OLN 30.12.08

ó dr, é compativel com quê? com o windows 2000, com o windows xp, com o windows vista?.... esclareça lá essa malta que eles andam confusos.

da-se....e perguntaram-lhe mesmo quanto é que ganha? deviam ter peguntado também quem é que lhe paga. e na sequência do anónimo das 10:40 am, já agora quem pergunta, por uma questão de equidade, deve também apresentar a mesma informação.

ó anónimo das 10:40, então vc não acredita...pois acredite homem...acredite....

 
At quarta-feira, dezembro 31, 2008 3:05:00 AM, Blogger ZÉ FAGOTE said...

Já comentei em Posts anteriores a minha opinião sobre o assunto agora por si abordado.
São incomensuráveis as diferenças de comportamento entre Lisboa e Aveiro nos modos e actuação perante uma situação comum.
Agora que tanto se fala nisso, aqui está uma situação em que deveria haver avaliação para ser aferido, preto no branco, a razão ou não razão, dos prognósticos dos eleitores aquando das eleições.
Reconheça que a Democracia tem muitos defeitos!

Depois quero felicitá-lo por este trabalho que apresentou dado ser acessível a qualquer um com o mínimo de noções de introdução à economia.
Os comentadores que me antecederam não seguiram o ponto da “ordem de trabalhos” e esmiuçaram os “diversos”...
Que me seja também concedido escolher os temas que quero abordar.

Efectivamente o meu Amigo é o centro de atenções dos seus adversários políticos. Gostam de o atazanar, se calhar têm medo.
Acho esse medo uma coisa estúpida porque não passa de um reconhecer íntimo de ser transcendido pelo saber e conhecimentos dos outros.

Continuando,
Foi pena não ter dito ao senhor arquitecto Anes na última AM, quanto ganhava.
Eu dizia!
Mas já agora, e se me permite, não sabendo mas calculando, coisa que o senhor arquitecto não sabe fazer porque isso de cálculos pertence a engenheiros, lá dos “betões armados” e a mais alguns que sabem contar até 10:

Portanto aqui vai:
O senhor é Professor no Isca + Gestor de empresa privada + Cargo de confiança política lá onde for,
É bem capaz de pagar ao fim do ano mais IRS que a Senhora Presidente da Mesa da Assembleia Municipal + Deputada da Nação.

Mais uma coisa:
Faltoso às obrigações laborais VC não deve poder ser, se não lá se vão os “rechonchudos” rendimentos…

Mas olhe que bom, bom, é ~mesmo ser Deputado da Nação…
Não há avaliação, pelo menos oficialmente.
Por isso, quando faltam ao “serviço” e se piram não sei para onde vão às dezenas de uma só vez…
Olhe que se estivéssemos à porta e a ver aquela debandada, aquilo deveria parecer para si que é caçador, “manadas”, e para mim que sou pescador, “cardumes”

E já agora que veio à baila o paradigma, ordenados e vencimentos, (coisa de que estou livre porque sou proprietário) gostei daquela em que a sua bancada obrigou a Presidente da Mesa a ler o expediente, tim-tim por tim-tim, a dizer implicitamente que as funções que VC exercia, não eram incompatíveis com as de deputado municipal.
Muita gente ficou pior que estragada, acredite. Mauzinhos, invejosos!

O Miguel Fernandes, o autor do “processo de inquérito”que volta e meia mete a “pata na poça” politicamente, não tem mau fundo, nem faz as coisas por mal...
Foi o autor da queixinha mas eu acho que foi para mostrar serviço a alguém que lho encomendou.

Bom ano para si, com muita saúde para todos os seus, sucessos familiares, profissionais e políticos, que eu vou aos Açores festejar a passagem do Ano, enquanto Portugal não é uma Federação!

 
At quarta-feira, dezembro 31, 2008 12:22:00 PM, Anonymous Anônimo said...

Então dr., já leu o DA de hoje?
O Secretário de Estado do Desporto garantiu que os clubes vão continuar a utilizar a piscina e pavilhão que a CM devolveu ao Estado. E, com isso, eles iam para o "olho da rua" no final do ano.
O nosso Filipe Neto Brandão, pelos vistos, lá interveio mais uma vez em favor dos verdadeiros interesses de Aveiro. Obrigado.

 

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