quinta-feira, dezembro 25, 2008

No ano passado...


Já repararam como é bom dizer "o ano passado"? É como quem já tivesse atravessado um rio, deixando tudo na outra margem...Tudo sim, tudo mesmo! Porque, embora nesse "tudo" se incluam algumas ilusões, a alma está leve, livre, numa extraordinária sensação de alívio, como só se poderiam sentir as almas desencarnadas. Mas no ano passado, como eu ia dizendo, ou mais precisamente, no último dia do ano passado deparei com um despacho da Associated Press em que, depois de anunciado como se comemoraria nos diversos países da Europa a chegada do Ano Novo, informava-se o seguinte, que bem merece um parágrafo à parte:

"Na Itália, quando soarem os sinos à meia-noite, todo mundo atirará pelas janelas as panelas velhas e os vasos rachados".

Óptimo! O meu ímpeto, modesto mas sincero, foi atirar-me eu próprio pela janela, tendo apenas no bolso, à guisa de explicação para as autoridades, um recorte do referido despacho. Mas seria levar muito longe uma simples metáfora, aliás praticamente irrealizável, porque resido num andar térreo. E, por outro lado, metáforas a gente não faz para a Polícia, que só quer saber de coisas concretas. Metáforas são para aproveitar em versos...

Atirei-me, pois, metaforicamente, pela janela do tricentésimo-sexagésimo-quinto andar do ano passado. Morri? Não. Ressuscitei. Que isto da passagem de um ano para outro é um corriqueiro fenómeno de morte e ressurreição - morte do ano velho e sua ressurreição como ano novo, morte da nossa vida velha para uma vida nova.

Mário Quintana

1 Comments:

At quinta-feira, dezembro 25, 2008 10:42:00 PM, Blogger Messias de Sarrazola said...

O desejo é comum meu Caro Amigo.
Toda a gente faz promessas de no fim do ano se despedir dos vícios, da vida desapegada que leva, enfim, no próximo ano, em todos os anos, temos a mesma conversa, os mesmos pensamentos, os mesmos desejos:
Cortar, cortar, cortar!
Era bom ao soar da meia-noite, atirarmos pela janela da alma todas as maleitas que nos enfermam.

Mas a alma deve estar alojada num cantinho qualquer do cérebro, uma espécie de águas furtadas, onde se arrumam coisas boas, mas que acabamos por esquecer, pelo pouco ou nenhum uso que lhe damos.
E essa coisa de nos atirarmos pela janela fora para nos libertarmos, e mais aquela do papelinho no bolso para justificação junto das autoridades…
Hummm!
Acho asneira.

Não é por nada, nem por ter medo de morrer, nada disso. Imagine que por obra do acaso não faleço?
Chegam as autoridades muito primeiro que o 112, marimbam-se para o meu sofrimento, reviram-me dos pés à cabeça à procura dos documentos, encontram o papelinho que escrevi para não incriminar ninguém, e entretanto acompanham-me ao hospital atrás da ambulância…

Do hospital se me mandam para casa, por serem só escoriações ligeiras, é certo e sabido que vou malhar com as costas nos calabouços da polícia toda a noite, o que só por si já é lixado com este frio...
No outro dia, manhã cedo, sou presente ao juiz que me dá uma talhada do caraças por ter atentado contra uma vida, e marimba-se que ela esteja farta de desassossegos.
Não!
Sou mau,a alma pesa-me para burro,ao contrário de muitos.
Mas que quer, criminoso não quero ser.Cismas!

Bom Ano de 2009.
Carregue mais este se for capaz, e se aguentar.
Eu já tenho a mochila aberta para ele entrar. Espero não o abandonar ao princípio, a meio, ou no fim do caminho, mas cá estou para o que der e vier...
Mas com papelinhos no bolso, não!

 

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